terça-feira, julho 04, 2006

Black Holes and Revelations, do Muse

Depois de vender mais de 3 milhões de cópias no mundo com a obra-prima Absolution, de 2003, o Muse vinha prometendo publicamente um álbum pra cima, falando menos de fim do mundo e com mais "divirta-se, que a vida é curta". Só que, em se tratando de uma banda megalomaníaca e que tem o doido varrido Matt Bellamy como frontman, nem mesmo o fã mais obsessivo poderia imaginar o que isso queria dizer.

Black Holes and Revelations, que acaba de sair na Inglaterra, revela-se a festa do Muse. O quarto álbum de estúdio foi apresentado à imprensa inglesa em primeira mão durante festas em circuito fechado, com fones de altíssima fidelidade e sem fio. O conjunto – álbum, novidades tecnológicas e regabofe – tem impressionado positivamente todos os sortudos que já puderam presenciar.

Supermassive Black Hole, o primeiro single do disco a ser lançado (online) no Reino Unido, já prenunciava uma tendência diferentona de certa forma. Era a música mais dançante, mais sexy e descompromissada de toda a carreira de Bellamy, Dom Howard e Chris Wolstenholme até então, a ponto de não ser nada difícil enxergá-la como uma possível Song 2 para o Muse. Sob essa óptica, periga a banda sair do atual nicho indie (rótulo ainda ouvido mesmo depois de a banda tocar para mais de um milhão e quinhentas mil pessoas em 2004) e virar presença obrigatória em clubes que queiram soar sofisticados, mesmo no Brasil. É impressionante neste trabalho a quantidade de faixas dançantes, uma variação quase inédita do estilo do Muse até então. Conte comigo: a strokiana Starlight, a princeana Supermassive, a neworderiana Map Of The Problematique, a radioheadiana Take a Bow, a morriconiana Knights of Cydonia e a systemofadowniana (ufa!) Assassin.


Encontros de frentes e correntes

Essa "multidão em uma banda só" é um reflexo das influências inusitadas que os três ingleses sofreram em tempos recentes, e não apenas musicais. Segundo declararam em entrevistas, ouvia-se muito Ennio Morricone e Depeche Mode durante a composição do álbum, ocorrida em grande parte num castelo semi-abandonado tornado vinícola no sul da França. Foi então que, em certo momento, a usual paranóia dos rapazes ficou tão fora de controle com o isolamento que eles resolveram carregar seu material inacabado para Nova Iorque. Andar nas ruas, voltar a ler as notícias e freqüentar boates novaiorquinas para desopilar os levou a absorver um novo clima de celebração e introduzi-lo nas gravações. Lá se ia parte da instrospecção costumeira.

Esse embate de ares tão opostos resultou numa dualidade interessante. O tal "clima pra cima", planejado desde o início, finalmente encontrava uma brecha para aflorar e decididamente foi alcançado em termos de composição. Mas a elaboração das letras continuou refletindo o outro lado, o mesmo que a banda sempre explorou. Criou-se uma certa complementaridade, no sentido de que a música pedia mais movimento e animação, enquanto o texto continuou circulando os temas caros a Bellamy: obsessões humanas, extremos de sofrimento, prazer e culpa, delírios de grandiosidade reprimida, histórias mal-resolvidas que levam ao desespero e, claro, a astronomia representando a nossa pequenez no Universo.


Daí que comparações temáticas ou estilísticas com o Depeche Mode ou os Pet Shop Boys não seriam despropositadas. São letras sérias, ocasionalmente delirantes, em cima de música dançante e tensa, com arranjos sofisticados e, no caso do Muse, com peso, virtuosismo e a habitual dose cavalar de drama. As palavras do letrista continuam longas e entoadas como lástima ("Destrooooooy thiiiiiiis city of deluuuusion" ou "No one's gonna take meee aliiiiive").

No sentido lírico, a maior novidade é a pitada de política em diversas faixas (Take a Bow, Assassin, Exo-Politics, Soldier's Poem e City of Delusion, em especial). O tema era quase inexistente nos trabalhos anteriores, e aqui também não é escancarado em menções diretas a pessoas ou fatos. Há uma mensagem clara e indignada para que se crie uma maior conscientização política geral, mais voltada aos anônimos que aos líderes, sem atacar guerras, denunciar terrorismo ou condenar esse ou aquele governante. Os integrantes têm deixado isso claro e evitam mencionar certas palavras-chave que poderiam causar polêmicas não-intencionais.

Trata-se de uma transição: raiva e sofrimento, temas antigos, são agora direcionados para mover pessoas a transformar o que está errado. O enfoque de Take a Bow ("Você será queimado e julgado por seus crimes contra a Terra, você deve pagar, você implora, curve-se"), City of Delusion ("Defenda suas crenças, alcance o divino, destrua essa cidade de enganações, derrube suas paredes"), Assassin ("Pessoas destruídas tornam-se assassinas; chegou a hora de unir forças no submundo e derrubar nossos líderes; oponha-se e destrua a demonocracia"), entre outros exemplos, é o de construir o novo destruindo o antigo que se tornou corrompido e não mais se importa comigo ou com você. A razão de ser do rock'n'roll talvez continue sendo manifestar a rebeldia...

A exceção mais claramente otimista do álbum fica por conta de Invincible e seus versos "turma da Xuxa" – aquela coisa de "você pode, você consegue, somos invencíveis e juntos venceremos a semente do mal". Pode-se argumentar, entretanto, que nem aí haveria uma fuga dos temas habituais: o personagem retratado na letra parece um tanto obcecado por sua cara-metade (junto à qual ele se diz invencível); ela, por sua vez, anda meio deprê, precisando do encorajamento do rapaz interessado. Fala sério, você não adora essas histórias de co-dependência e demais distúrbios psiquiátricos do Muse?


Bohemian milk-shake in Valhalla

Mesmo com tudo isso perpassando o processo de composição, os traços de identidade da banda se mantêm firmes, e o novo disco não deixa o terreno do rock em praticamente momento algum. O trio vem ensejando comparações com o Queen desde Origin of Symmetry, de 2001, por sua mistura criativa de canto e estrutura operística com piano floreado, peso de metal setentista, eletrônica "cósmica" e o uso de cinqüenta canais sobrepostos por faixa, criando momentos emotivos bem diferentes contrastando dentro da música.


Tais comparações devem continuar. Só que, para efeito de atualização, pense agora num cruzamento dos elementos mais clássicos do Queen com o hard rock mais direto do Deep Purple e uma séria mãozada de... É seguro dizer Santa Esmeralda? Imagine Freddie Mercury cantando árias flamencas em falsete dentro de uma boate techno modernete, rodeado por uma muralha desgraçada de overdrives e efeitos de guitarra e baixo muito bem orquestrados. Nas mãos sempre competentes de Matt, Chris e Dom, Black Holes and Revelations saiu como uma combinação catártica e divertidíssima de bom rock pesado pra dançar e berrar, seguindo bem de longe a tendência atual de gente como Franz Ferdinand, Strokes, Killers e mais algum hype que brotar de céu limpo por aí. A diferença está no experimentalismo e, portanto, no total descompromisso que a banda tem com o "rock para garotas bonitas se acabarem".

O clima claustro-dançante não é a única novidade nas atividades da banda. Muito se falou de trompetes e saxofones durante a confecção do disco (de novo, experimentações e Morriconnes). Os músicos sugeriam isso em entrevistas, os fãs se remoíam, pensando na esquisitice que estava por vir. No resultado final, muitos desses metais acabaram substituídos por sons sintetizados mais "convencionais", enquanto uns poucos trompetes ainda presentes soam naturais, bem encaixados dentro dos contextos em que caberiam. Mais um ponto para a experimentação da banda.


Bellamy também admitiu repetidas vezes em entrevistas que teve leve inspiração do trabalho de seu pai, George Bellamy, guitarrista da banda de surf music The Tornados nos anos 1960 – uma "prazerosa descoberta, em pleno 2005", segundo disse. Até então, aquela música era tida pelo magrinho falante como "embaraçosa". Em alguns momentos do disco, Bellamy realmente importa as "lambidas" de guitarra típicas daquele estilo, somando-as ao caldeirão de ingredientes.


Três elementos, quinze instrumentos

Para dar conta de reproduzir toda a sua loucura ao vivo, o Muse pela primeira vez se permitirá ter um músico de apoio no palco, além dos três membros. Nunca foi segredo que, pela própria impossibilidade física, alguns canais das músicas ao vivo eram executados por sintetizador ou sampler. Nos shows mais recentes, e para a futura turnê de lançamento do novo trabalho, o multi-instrumentista Morgan Nicholls aparece como um tecladista-guitarrista auxiliar nos palcos, sem se tornar membro da banda. Nicholls já havia substituído o contundido baixista Wolstenholme em shows de 2004, depois de aprender o complexo setlist do Muse em 4 dias, pelo que diz a lenda. Diante disso, Matt Bellamy já acalmou os fãs, dizendo que não abandonará seu piano e as geniais extravagâncias de Space Dementia, Butterflies and Hurricanes ou Sunburn nas apresentações.

Infelizmente, no novo trabalho de estúdio, faz falta justamente piano romântico. Para o leitor confuso: "romântico" não quer dizer "Julio Iglesias", mas sim um estilo de época (século XIX, começo do século XX) no qual comumente se enquadram Chopin, Liszt e o compositor russo Sergei Rachmaninoff. Bellamy, pianista de formação erudita profissional e admirador do russo, afirma que, no começo do processo de composição, havia bastante material no piano, mas a banda resolveu deixar isso um pouco de lado por não combinar com o espírito que eles queriam para o disco. Sobraram só uma linha em Hoodoo e algumas escalas e crescendos furiosos à moda de Bliss espalhados pelo álbum. As grandes performances pianísticas poderão ser conferidas apenas ao vivo, em músicas de carreira.

Se o piano ensandecido deu uma sumidinha, as guitarras synth distorcidíssimas e as vozes múltiplas de Bellamy continuam as mesmas. Enquanto isso, o baixo de Chris Wolstenholme passou por mudanças. Aqui, não aparecem tantas linhas destacadas e quase independentes de trabalhos anteriores, como em Hysteria, Muscle Museum ou New Born. O baixista optou por manter seu tradicional som caracterizado por timbres diferentes (do baixo rubber-band ao puro synth), mas agora mudando um pouco o fraseado para "apenas" sustentar os grooves imaginados por Bellamy e executados por Dom Howard.

O baterista, por sua vez, provavelmente nunca trabalhou tanto. Reverências a ele, sempre um monstro de criatividade e agilidade que agora se supera. Conseguiu destaque absoluto em todo o álbum, com atenção para as constantes variações rítmicas entre porradaria, latinidade, climinhas jazzy, quebras de tempo e a energia incrível de todos os momentos dançantes do CD. Num álbum que privilegia o ritmo, o homem se mostra um verdadeiro drum hero, por assim dizer.


FX a FX

Não é necessário avançar muito na primeira audição do álbum para se perceber algo diferente na habitual mistura, aqui traduzida em novos níveis de experimentação. Isso já acontece na abertura, com Take a Bow, junção tensa de uma base de videogame no sintetizador, um baixo technopop, o clima paranóico de costume e uma batida que sai de um 3/4 estranho para uma espécie de blues muito nervoso que não decide o que quer ser. Por cima, o vocalista solta uma história de corrupção, responsabilidades, crimes e punições, como que em um julgamento em esferas celestiais.

Abruptamente, no ápice do barulho miserável resultante, entram baixo e guitarra retos, com a batida pop de Starlight e um riff de piano tão simples quanto memorável. Deve-se muito aos Strokes nessa faixa, segundo palavras do próprio compositor do Muse. O tempo em Nova Iorque levou a banda a ter mais contato com a chamada "nova cena rock", mas sem aqueles vocais monótonos de megafone. Há um vocalista versátil e dramático à disposição, como Julian Casablancas não conseguiria ser. Excelente momento de reapropriação do Muse, numa faixa que deve tocar bastante no segundo semestre e que carrega o título do disco em um de seus versos ("Our hopes and expectations, black holes and revelations").

O primeiro single "físico" britânico saído do disco é Supermassive Black Hole (capa ao lado), uma faixa de inegável apelo pop – duplo papel que fora desempenhado por Time Is Running Out no último trabalho. Supermassive causou um estranhamento enorme quando de seu lançamento online (ou no vazamento anterior), por conta da batida funkeada e dos vocais em falsete. Todo mundo se perguntou o que tinha acontecido com o velho estilão da banda, que ali emulava Prince e chegava a ser comparada a Britney Spears, apesar do belo trabalho de guitarra com influência de Hendrix. A faixa funciona muito bem no contexto, como seqüência para Starlight e entrada para Map of the Problematique, que se segue, mas, considerada à parte, realmente não se parece muito com o tipo de material apresentado pela banda até hoje.

Matt Bellamy para o tablóide The Sun: "É uma das faixas mais incomuns do álbum, quando comparada a tudo o que viemos fazendo em nossa carreira. Vínhamos sendo associados a um certo 'epic rock' e esse single é exatamente o oposto disso. É dance e é divertido! Muitos dizem que querem fazer algo de diferente uma vez ou outra, mas fico muito feliz por realmente termos feito isso nessa música".


Com o efetivo lançamento de Black Holes and Revelations, os fãs perceberam que o toque suingado calhou de sair assim nessa faixa, mas não representava um total redirecionamento do estilo como um todo – ainda bem! Supermassive é ótima, uma música que abriu o caminho do álbum por meio do choque e realmente preparou terreno para novidades, mas os fãs mais antigos do Muse não ficariam muito satisfeitos com um disco que seguisse inteiro a mesma cartilha.

Felizmente, a influência se mostrou influência, como mostra o petardo seguinte. Map Of The Problematique comprova esse acerto com todos os louvores possíveis: é a música que o New Order de 1988 gostaria de conseguir produzir em 2006 e já não é mais capaz. Não há dúvidas de que Peter Hook poderia assumir o baixo, com Gillian Gilbert nos teclados e Stephen Morris na bateria, numa reimaginação dessa música. A introdução também empresta de Enjoy The Silence, do Depeche Mode, influência confessa. Map merece todos os remixes que devem aparecer nos próximos meses. Pelo que já se viu das faixas ao vivo até o momento, essa é uma das que prometem ser obrigatórias, como um ponto alto e "infeccioso" da apresentação. É essa a nova cara do Muse em sua voltagem máxima, num dos melhores momentos do trabalho.

Toda a bela construção até o momento recai em grande infelicidade na transição para Soldier's Poem. Digamos assim: se toda festa precisa daquele momento de dançar colado, Soldier's Poem é esse momento, a baladinha com muita cara de anos 50 e batida jazzy. Poucas vezes se viu algo assim do Muse, o que inclusive explica por que ela foge demais do estilo da banda e do ritmo do álbum. Torna-se um grande problema enfiá-la depois de uma sequência fortíssima, e a quebra abrupta do ritmo que vinha sendo criado não é agradável. Soldier's Poem destoa demais – afinal, quem diria que seria possível lembrar de Everybody Hurts ouvindo um CD do Muse!? Não é necessariamente uma faixa ruim. Até que funciona isolada, é bonitinha no que se propõe, mas sofre pela posição no CD e pela ausência de inovação. Deveria ter sido lançada somente como um lado B. No contexto do disco, não faria falta alguma.

Seguindo adiante, não é bem Invincible que salva a pátria. Ela também não é ruim; basta ouvi-la fora de contexto algumas vezes e percebe-se que há um excelente trabalho instrumental. Mas parece uma música que está eternamente "para acontecer". Não convence como deveria. Tem uma das letras mais otimistas da história de uma banda que se fundou em temas apocalípticos. Seria coincidência? A parte instrumental poderia ter se saído excelente assim mesmo, mas acaba resultando repetitiva, ainda que muito bem executada. O crescendo funciona muito melhor em Take a Bow. Verdade seja dita, se ela viesse antes de Soldier's Poem e criasse um "amortecedor" entre o começo explosivo e a baladinha, provavelmente teria sido mais fácil entender. Com uma eventual exclusão de Soldier's Poem, Invincible funcionaria certamente muito melhor, porque não seguiria o momento "chato", e mais ainda porque seria, ela, a ponte para a "segunda parte" do disco.

Felizmente, o Muse das antigas chega para o socorro, na forma de Assassin e Exo-Politics. A primeira vinha sendo executada ao vivo como "Debase Mason's Grog" (ou ainda "Majestic Blue"). A introdução era infinitamente mais pesada, o que faz a versão do álbum soar algo engraçada em comparação. Outra coisa: havia um breve interlúdio de guitarra que lembrava boas coisas do Van Halen, mas ele acabou excluído da versão definitiva, mais comportada, ainda que tenha mantido o peso e o refrão ganchudo espetacular. Ainda assim, a maquiagem tornou-a uma grande aquisição ao repertório, buscando momentos anteriores de proximidade com o metal, como Stockholm Syndrome, unidos à grande atmosfera festeira de Black Holes and Revelations. Destaques para a bateria e para a mixagem, que incorpora milhões de vozes e sonzinhos discretos a um baixo que ganhou som de guitarra.

Exo-Politics é uma legítima representante das safras de antigamente. Mais um ponto alto, mas também outra faixa que soava melhor nas prévias ao vivo, ainda sob a influência de Absolution. O nome provisório era "Burning Bandits" (entre outros). A introdução era bastante diferente, feita por uma guitarra meio "árabe" e misteriosa, com um baixo dominador entrando junto com a bateria. Tinha um quê mais oriental e militarista, e bem gostaríamos de ver como isso resultaria em estúdio. Entretanto, com excelentes ponte, riff e refrão mantidos, o resultado final é nada menos que perfeito.


Assassin e Exo-Politics foram as duas únicas faixas que já eram conhecidas ao vivo e conseguiram lugar no disco. Outras duas sairão como lados B de singles.

City of Delusion entra em seguida para dar continuidade à retomada de pulso, mas se atrevendo a introduzir novos e interessantíssimos elementos. É um grande momento de latinidade, unindo um solo de trompete mariachi a um violão flamenco e, claro, jamais faltam as cordas megalomaníacas e a distorção da guitarra. Seria a irmãzinha mexicana mais nova de Butterflies and Hurricanes, com características muito diferentes dentro de uma estrutura semelhante (em especial, o final). Mesmo que não soe tão coesa a princípio, City of Delusion cresce demais depois de algum tempo e ganha um lugar de merecimento muito maior dentro do álbum. Tecnicamente, uma faixa riquíssima.

O clima latino é retomado com o início de Hoodoo, mas agora pense mais para o lado da bela Blackout, do disco anterior. São pequenos "atos" dentro da faixa, com uma entrada flamenca e mais influências de surf music, até que, finalmente, temos os pianos-Bellamy, marca registrada da banda, ainda que contidos e restritos a uma só linha. A faixa não convence tanto quanto poderia; é outro momento que "parece que vai" e se conclui em poucos passos. Mas o caso dessa é o inverso do de Invincible: considerada no conjunto, Hoodoo se sobressai como uma espécie de introdução ao fim invariavelmente grandioso que se aproxima.

Knights of Cydonia promove a continuidade – sem dúvida, no maior "momento Queen" do disco. Um fechamento espetacular em vários sentidos. Surge até mesmo um misterioso "vocal Roger Taylor" de fundo, mais agudo que nunca. Nesse perfeito épico, ouvindo com atenção, podemos mesmo perceber ecos do clássico Telstar (o grande hit dos Tornados) junto a vocais espaciais, metal setentista, sintetizador de hospício fazendo base e uma fantástica aura de faroeste spaghetti, herdada das tais audições de Ennio Morricone. Não à tôa, título e letra fazem menção a cavaleiros duelando pela sobrevivência.

A faixa tem tanta força em absoluto, em comparação e ainda no conceito dos integrantes, que deu origem à capa do CD, obra do premiado Storm Thorgerson, o mestre por trás do prisma, das cabeças e das lâmpadas do Pink Floyd, e ainda dos homens voadores de Absolution. Os quatro sujeitos à mesa sobre um solo vermelho, tendo a Terra meio apagada lá no fundo do céu, seriam os Cavaleiros de Cydonia, senhores de uma região em Marte onde fica localizada a famosa "grande face". Cada um veste um terno que representa "grandes problemas do nosso mundo", segundo explicou Bellamy. Seriam eles a vaidade (espelhos), a falta de privacidade (olhos), a ganância (ouro) e o fanatismo religioso (símbolos). Típico delírio do compositor para encerrar o espetáculo de maneira transbordante – o próprio já se referiu diversas vezes à faixa como "aquela coisa estranha que a gente fez, da qual se orgulha muito, e que o pessoal adorou ao vivo".


Contando os pontos

Tentando deixar de lado a genialidade de Absolution – quanto ao qual não cabem comparações, por ser um verdadeiro marco –, vamos imaginar que, se o disco atual viesse em seguida a Origin of Symmetry (o segundo), teríamos uma evolução estarrecedora, realmente gritante em vários sentidos. Quando, então, reintroduzimos na linha do tempo o álbum anterior, percebemos que houve diferença, mas não a temida mudança de personalidade que "se prenunciava". Black Holes and Revelations revela-se, na verdade, o próximo passo quase natural – aquele que, ao mesmo tempo, é um tanto diferente e mantém a qualidade. Um passo para o lado, no mesmo degrau; um álbum, portanto, para se aplaudir de pé.

Afinal, o Muse se mostra uma banda que sabe manter seus colhões roqueiros no lugar, enquanto faz música dançante. A banda não teve medo de se pôr à prova, e não apenas em questões de formato. Por esse lado, mostrou-se a coragem dos caras, arriscando no experimentalismo rumo à direção mais acessível (de certa forma) e dançante (idem), com toda a insegurança que isso acarreta. Enquanto isso, o conteúdo brinca levemente com elementos ainda mais contagiantes do que tudo aquilo que veio antes, sem perder um milímetro da personalidade consagrada e consolidada da banda e da verve insana do rock que ela vinha praticando. Querer mais, elaborar direito, arriscar a tentativa – isso é crescer, sem dúvida. O tal risco foi bem medido, bem executado e, no fim, se pagou de sobra.

Se é que se pode apontá-la, a única má impressão geral, fora a quebra de ritmo no meio do caminho (o que pode ser até bem visto, dependendo do freguês), é a de que Black Holes and Revelations é o mais curto dos quatro trabalhos de estúdio. É sempre um ótimo sinal quando consideramos que mais material seria bem-vindo.


Aliás, podemos mesmo esperar por mais, graças ao novo disco. Em entrevista recente à Kerrang, Matt Bellamy declarou que um dos lugares que ele gostaria de visitar durante os próximos meses de turnê é o Brasil. Não, não foi "América do Sul", mas nominalmente Rio de Janeiro, Brasil. Ok, Sr. Bellamy, entendido, estamos no aguardo.