domingo, julho 09, 2006

Strokes e o underground

Não é de hoje que um crítico aqui ou um fã mais informado ali querem comparar os Strokes ao Velvet Underground.

Eu, sinceramente, nunca consegui ver essa semelhança. Considero a comparação um grande elogio aos Strokes, exatamente pelo seu despropósito. É como quando dizem a uma dona arrumadinha que ela se parece muito com alguma estrela de cinema; valeria uma risada, um "obrigado", mas certamente não se deve deixar levar por algum mérito da questão. É um mero agrado. Até vejo muito valor em faixas como Last Nite, Hard To Explain, New York City Cops, 12:51, Juicebox e momentos de outras poucas. Ouvi os três discos e vi apresentações dos Strokes, nem sempre como fã da banda, mas como fã de rock divertido. De tudo isso, nunca vi base para compará-los ao estilo do Velvet Underground.

Então, o Casablancas cismou agora de fazer uma cover de Walk on The Wild Side, da carreira-solo do Lou Reed. Tudo bem, novaiorquinos, urbanóides, famílias abastadas, os caras têm isso em comum. Mas será que dá pra comparar os (nunca) "salvadores do novo rock" com uma banda que, em sua época, jamais teve 1/10 do destaque que os Strokes têm hoje? Não, não vou me deixar levar pela forma, pela fama e discussões bestas do gênero. Vamos ao conteúdo: o VU tinha som tosco, mal-gravado, tocado bem nas coxas, com tecnologia deficiente, ensaiando em um lugar freqüentado por tantas influências quanto seria possível na cidade mais cosmopolita do mundo e com uma espécie de proposta de levar as ruas reais à música, enquanto levava a música das ruas àquele ambiente felizinho criado pelos hippies, mostrando que a "Era de Aquário" não era bem assim para todos. O wild side já era presente, e fazer as pessoas enxergarem isso era a urgência da banda. Conseguiram com tantos louvores quanto é possível no ramo da música.

Já os Strokes não têm nada disso. Tudo é controlado, medido e limpo. Nada de lançamentos crus, faixas viscerais e hipnóticas, nada de patrocínio de um artista offbeat megalomaníaco, que ajudava a definir diretrizes igualmente malucas para os jovens músicos, guiando a revolução. Contraponto curioso, aliás: VU é causa, Strokes são conseqüência. O som dos caras de hoje, muito mais burilado em estúdio, é resultado do resultado: sofreu nítida influência do punk diluído por anos de convivência com a indústria. Enquanto isso, o Velvet Underground, no outro extremo, ajudou a construir o punk original, bem sem querer.


Render-se ao pop e à mídia, como conseqüência da diluição, torna o som stroke muito mais palatável, acessível ao público de hoje, e o distancia demais daquelas experimentações pós-lisérgicas pelas quais o Velvet se tornou célebre. Não é desmerecimento nenhum a nenhuma das bandas, só uma constatação da diferença de tecnologia, de posicionamento e da sonoridade resultante. Simplesmente não cabe comparação nesse caso, em terreno algum.

Se o caso é o de comparar com qualquer coisa – e os Strokes realmente demandam comparações com outros sons da antiga – o Television será sempre a primeira opção. Rock mais franco e menos experimental, tonalidades parecidas, estruturas muito próximas. Nunca Valensi, Fraiture e companhia conceberiam uma Waiting For The Man ou uma Sweet Jane, e menos ainda uma perturbadíssima Heroin. Não é de seu feitio alegrinho de quem leva na testa o letreiro "queremos mesmo é comer todas as atrizes possíveis". Mas dali poderiam sair, sim, netas de See No Evil, Marquee Moon, Venus ou Elevation. Rock mais direto e divertido, menos preocupado com genialidade e imortalidade.


Cada um com suas qualidades, mas não misturemos as coisas...