domingo, julho 16, 2006

Knights of Cydonia e o passado no futuro

Como correlacionar clima de faroeste e uma região no planeta Marte? Um mané de pouca criatividade viria com "muito simples, dois pontos" e, decoradinha, a resposta dada pelo Muse no vídeo da música Knights of Cydonia, recém-chegado à internet. Mas não. A idéia que resulta do vídeo não é de forma alguma simples: se o homem ainda pretende conquistar Marte, e se é tudo imaginação e podemos passar por cima de umas inconsistências, quem sabe não poderíamos vir a repetir a sangrenta história da conquista do oeste americano?

O vídeo, incrivelmente engraçado e bem filmado, traz essa questão desenvolvida na forma de um western vagabundo até a medula, daqueles ultra-granulados e cheios de riscos, com cortes malucos, interpretações canastronas e conflitos muitas vezes ridículos (resolvidos de maneira idem). A noção de spaghetti western misturado com ficção científica barata já tinha sido lançada pelo multi-homem Matt Bellamy para descrever a faixa quando do lançamento do álbum Black Holes and Revelations, mas o diretor foi tão fundo que tomou até parte da letra. Ou teria sido outra influência dos músicos?

Num fórum, durante uma discussão a respeito do vídeo que estava sendo filmado, cheguei a dizer que, com as declarações anteriores de Bellamy e o clima que a música realmente evoca, a gente só poderia esperar por um vídeo divertidíssimo e à moda do desenho (e HQ) Bravestarr – justamente um western futurista que unia Velho Oeste, armas de laser, avanços científicos, cavalos e veículos possantes. Falei um monte de detalhes imbecis também, delírios de fã que não se concretizaram. Mas, na idéia geral, não deu outra!

Uma das viagens do vídeo é com relação à data. Na abertura do curta ficcional fuleiro (chamado, claro, Cavaleiros de Cydonia), aparece uma data em algarismos romanos, como já foi costume no gênero faroeste. Mas a inscrição MCLMXXXI não faria sentido segundo a regra de leitura da numeração romana. Uma aproximação seria algo como M = 1000, C = 100, LM = 950 e XXXI = 31, o que soma 2081, mas em notação errada (a correta seria MMLXXXI).

Na tela escrito "The End" (e você acha que não haveria uma??), aparecem de novo os romanos, mas agora ligeiramente diferentes: MCMLXXXI, dois algarismos em lugares trocados. Mas isso é 1981 em notação correta! Será que o filme era tão feito nas coxas que os produtores nem sabiam contar? Isso é atenção aos detalhes, faz parte da brincadeira (como acusam outros trechos de escrita errada nos créditos). Mas esse é apenas o começo.

Quem quer que tenha tido essa idéia genial foi ainda mais fundo, ao considerar o trecho da letra que diz "a hora de fazer a coisa certa chegou". O tempo correu e, naquele futuro em outro planeta, o passado se repete com a violência grassando de novo durante nova conquista de um território inóspito. Futuro (2081) repete passado (1981), e a relação de exatamente um século entre as datas é feita mudando um detalhe quase insignificante! Como se isso não bastasse, a letra repete até o fim o verso "time has come to make things right". Justamente no fim do filme... a data está escrita corretamente e refletindo melhor a época de filmagem de um faroeste!

Melhor que essa amarração é a idéia de que, em 2081, o próprio Muse já seria uma banda bastante velha. Pois o pessoal no saloon (sim, também tem) projeta no palco um holograma (em DVD!) da banda tocando, e os integrantes aparecem como almas esbranquiçadas, remetendo justamente ao fato de serem música "velha" e ainda a uma brincadeira com cidades-fantasma, outro conceito tipicamente western.

Mais uma: antes do lançamento, Bellamy tinha dito que o vídeo, de certa forma, continuaria uma idéia do vídeo de Sing For Absolution, um dos singles do álbum anterior. Nele, a banda é mostrada em uma espaçonave cujo rumo parece ainda desconhecido. Ela cai num planeta destruído e os três se surpreendem ao ver o parlamento britânico em ruínas. E não é que a dica agora é uma Estátua da Liberdade semi-enterrada, levando de novo (e mais literalmente) ao enredo principal de Planeta dos Macacos? "Espera aí, não era Marte?" Era, mas deixa correr a brincadeira da coisa. E por que destroços da Terra não poderiam estar em Marte, a essas alturas?

E eu já mencionei que é divertido até mandar parar? No finzinho, ainda rola uma nova piada sutil e ótima: "Recorded in Hi-Fidelity Mono". Inteligência e diversão andando juntas, nada menos que o Muse em essência.

UPDATE (20 ago 2006): ótimas fotos do making of.

UPDATE (17 set 2006): um concurso proposto pelo próprio Muse desafia o fã a descobrir 15 referências a filmes que estão ocultas no clipe de Knights of Cydonia. Mas já se descobriu que, na verdade, há em torno de 27 referências (o participante podia entrar no concurso com quaisquer 15), dentre as quais: Star Wars, Buck Rogers, Maverick, Battlestar Galactica, Mad Max, Batman, Lone Ranger, The Matrix, Planet Of The Apes, Kung Fu, Blade Runner, High Plains Drifter, The Searchers, Once Upon A Time In China, Heavy Metal, The Good The Bad The Ugly, Five Deadly Venoms, Legend. Agora, adivinha se eu ganhei algum pôster.... Pf...