quinta-feira, setembro 21, 2006

United 93

This picture is hosted by ImageShackUnited 93 (ou Vôo 93, no Brasil) não é exatamente um exemplo de pico da Sétima Arte. E isso não faz muita diferença. Pra quem não identificou o título, trata-se do recente filme de Paul Greengrass que narra os últimos momentos dos passageiros seqüestrados no avião da United Airlines derrubado na Pensilvânia, em meio aos acontecimentos de 11 de setembro de 2001.

Se não tratasse de algo que aconteceu, e não faz muito tempo, United 93 poderia passar despercebido por várias razões. Afinal, o que torna sua narrativa talvez meio chata para o grande público é exatamente o que lhe confere tremenda força frente aos que chegam ao cinema já avisados: a não-ficção. O apelo comercial é, portanto, bastante baixo, mas o documental pode bem ser outra história. O espectador talvez chegue querendo assistir a uma narração dramatizada - em Hollywood, fica sempre implícita a eterna romantização -, mas vai encarar mesmo uma descrição quase crua.

This picture is hosted by ImageShackAté certo ponto, o filme é aparentemente fidelíssimo à realidade. Imagine um documentário sem entrevistas, tão realista quanto só a realidade pode ser, como se apenas ligássemos uma câmera e deixássemos a vida fluir em vários cantos, sem exageros, frases feitas, entrevistas ou narradores. A edição posterior se encarrega apenas de juntar o que é pertinente, como de costume. Direção e roteiro se sobrepõem com tal força que fica fácil perceber que o roteirista é a mesma pessoa do diretor Greengrass. Se não fosse o caso, ele ainda poderia ser considerado no mínimo um co-escritor, pela condução do seu trabalho como uma espécie de "dono da verdade" sem a carga dramática da expressão. Mas também quem disse que aquilo ali não foi "a verdade"??

A história não dá margem a muitas interpretações, a leituras diferentes ou mesmo à superveniência do trabalho de atores. Aliás, nenhum deles se destaca. Há um exercício espartano de busca de autenticidade, de tal maneira que todos são desconhecidos e algumas das pessoas em cena nem mesmo são atores. Muita gente ali trabalha mesmo naquelas funções que a gente vê na tela, como o piloto do avião que é piloto de verdade e um dos seqüestradores que tem experiência militar real no Iraque. De resto, o público enxerga atores a respeito dos quais não tem conceitos prévios, e o fato de esses atores serem desconhecidos auxilia ainda na identificação com o homem comum que estava naquele avião. Ponto para o diretor, muito consciente de todo esse aspecto.

Outro grande acerto está em contextualizar o avião da United no caos daquele dia sem nunca desviar totalmente a atenção para, digamos, o apelo óbvio do desabamento das torres em Nova Iorque. Seria um desvio fácil e desnecessário a um acontecimento que, tamanha sua magnitude, tanta gente ainda considera "coisa de cinema" por si. Essa visão intencionalmente obsessiva com relação ao destino do avião é percebida pelo espectador com clareza. Não é difícil, por exemplo, acreditar no desespero dos controladores de vôo, quem sabe até maior na realidade do que na fotografia. As tomadas de decisões, as reações de cada grupo (exército, população, governo, pilotos do United 93), a sucessão dos acontecimentos um a um e interligados, o conteúdo das ligações, tudo nos envolve no acidente sem muita romantização, sem frescura, sem alívio cômico ou trama paralela. E se mostra compreensível no final, o que não deve ter sido tarefa das mais banais.

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A grande ressalva que vem sendo levantada sobre o filme é a de que não há registros oficiais depois de certo ponto daquela linha do tempo que Greengrass procura seguir, apenas "especulação oficial". Ou seja, essa realidade que se tenta transmitir não seria assim tão real quanto o diretor-roteirista nos quer fazer crer. É claro que, nesse momento, acontecerá um pouco de romantização. Trata-se apenas da recriação controlada, e com evidências de realismo (ligações dos passageiros às pessoas em terra), daquilo que foi fato de alguma forma, mas que ninguém sabe ao certo como foi ou em que medida. Quem pode dizer que sim e quem pode dizer que não?

É essencial ressaltar que Greengrass, acertadamente, preferiu filmar a "especulação oficial" (tenha-a como verdadeira ou não) a inventar demais naquilo que não precisava de invenção. O que muita gente considerou uma falha é algo que deveria mesmo ser visto com muita cautela desde o princípio; Greengrass, de certa forma, responde a essas críticas ao perguntar em sua direção: "Se não assim, então eu filmaria como??" Fez uma escolha, e nela não houve covardia alguma. Afinal, o diretor poderia escancarar o desfecho a especulações e pitacos, e caminhar até para abduções alienígenas no fim, por que não? Na falta de quaisquer provas, seria uma "solução" especulativa com tanto peso quanto outras, mas certamente destruiria qualquer mérito conquistado na parte factual. Quid pro quo, o sacrifício da criatividade (altamente discutível já de princípio) pela credibilidade quanto ao que se sabe.

Com as histórias não-oficiais ficando cada vez mais fortes nos meios jornalísticos, políticos e em meio à opinião pública americana, o diretor fez muito bem, nesse caso, em se ater a tantos fatos documentados quanto possível. Se alguns são manipulados ou não, isso não interessa ao filme, porque ainda não os conhecemos na própria realidade. Interessa a nós que sejam revelados no futuro, se algo houver a ser revelado.This picture is hosted by ImageShack Considerando apenas essa parte oficial, e frente à opção de criar uma caricatura desbandeirada à la Oliver Stone, o diretor optou pela segurança e pelo respeito ao assunto delicado, incluindo ainda no fim do filme um letreiro com outras informações tidas como oficiais. Deixa a impressão de quem assina embaixo e, ao mesmo tempo, se esquiva de eventuais acusações infundadas (até o momento); "Não sou eu que estou dizendo, a História afirma que foi assim", e produz um verdadeiro documento.

Nesse filme, a maior parte da nossa visão crítica e dos nossos critérios de qualidade deve se voltar ao profissionalismo e à forma de condução. "Gostar" ou "não gostar" simplesmente não convêm ao objeto do filme. No fundo, é mesmo um documento, não há do que se "gostar". Ninguém "gostou" daquele 11 de Setembro, e ele aconteceu de fato.