quinta-feira, novembro 02, 2006

Little Miss Sunshine

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Uma história absurdamente simples: família atravessa os EUA numa Kombi arrebentada para que sua filhinha participe de um concurso de beleza mirim. Mas Little Miss Sunshine não é um filme de história, e sim de personagens. O que interessa nele é observar a própria família de loucos, junto a outros loucos que eles encontram pelo caminho e até seu absurdo meio de transporte, que vai se desenrolando naquela hora e meia como um personagem por si só.

O filme vem sendo elogiado com certa empolgação como "o grande representante da qualidade cinematográfica indie" ou títulos parecidos, e é realmente uma pérola tanto em meio à pretensão independente quanto frente aos blockbusters descerebrados. Mas calma lá. Little Miss Sunshine é mesmo maravilhoso e enche os olhos e a cabeça como um grande filme deve fazer, mas sem necessariamente ser tão "genial" como um salvador supostamente seria aos olhos do público modernoso. Há de se diferenciar essas genialidades. Afinal, o maior mérito do filme está justamente em ser enorme mostrando pouco: a vida ordinária com o drama e a graça que lhe são peculiares. A falta do brilhantismo óbvio, que é o que mais se busca no veio independente, não apenas não é desmerecimento nenhum a esse filme como é o que faz sua grande qualidade.

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Por meio de críticas pesadas, do retrato de gente comum com problemas palpáveis, de uma América mais real e de apenas uma linha simples a ser seguida (como é a vida da maioria), os realizadores conseguiram criar uma espécie de fábula moderna, um "drama de humor negro de situações" sem qualquer ligação com conceitos do (grande) Tim Burton ou com contos fantasiosos do gênero. Ao contrário, foi partindo de um mundo real e de pessoas mais verdadeiras que Michael Arndt (escritor), Jonathan Dayton e Valerie Faris (diretores) passaram a introduzir o elemento surreal (mais realista que qualquer fantasia), a metáfora sutil e ao mesmo tempo óbvia, os personagens marcantes e tridimensionais, a humanização do inumano, as mensagens que perpassam a narrativa e um sentimento final de triunfo de bom sobre mau, ainda que meio torcido - uma vez que vida real não é maniqueísta como a vida do cinema.

O espírito do filme é o de que ainda é possível contar uma história pequena e com poucos personagens que sejam verdadeiramente cativantes, sólidos, às vezes tão chatos como somos no dia-a-dia, mas gente que seja imprevisível e tenha manias. É o tal espírito "indie", contrário aos filmes mainstream atuais que apostam cada vez mais (como as séries de TV) em elencos grandes, eventos mirabolantes, histórias paralelas e efeitos especiais.This picture is hosted by ImageShack Little Miss Sunshine custou nada mais que 8 milhões de dólares e já faturou mais de 70 milhões no mundo todo. E não foi com nenhum elenco de desconhecidos e amadores...

Num filme centrado em personagens, naturalmente, as atuações é que deveriam pesar. Pois elas são nada menos que arrebatadoras, por parte de todos os atores em praticamente todos os momentos.

No começo, Steve Carell ainda conserva alguns trejeitos de seu histórico Michael Scott, da série The Office, como o olhar para o vazio e os meios-sorrisos sem graça. Mas aos poucos ele vai encarnando seu personagem da vez, com destaque para o fato de seu Tio Frank ser um homossexual que nunca apresenta trejeito "fácil" algum. Carell teve a extrema presença de "guardar" uma única afetação - que nem é necessariamente gay, estaria mais para esquisitice mesmo - This picture is hosted by ImageShackpara os momentos finais, quando todos estão correndo para chegar ao concurso. Durante todo o filme, nota-se a profunda melancolia do personagem na graça contida do ator, sem que ele precise forçar situações ou cair no ridículo.

Toni Colette é o monstro de costume. Do hilariante Muriel's Wedding passando por Velvet Goldmine e The Sixth Sense e chegando a About a Boy e The Hours, é difícil lembrar de um momento em que a atriz não tenha destruído tudo em seu caminho em busca de uma atuação perfeita. A mãe Sheryl Hoover beira a neurose pela busca incessante de uma vida mais politicamente correta sem saber direito o que é isso, e acaba superprotegendo sua filhinha em prol da sanidade de ambas.This picture is hosted by ImageShack Só que Sheryl, no fim das contas, já está tão alucinada quanto o resto da família simplesmente por um dia ter sido a mais lúcida e agora remar o tempo inteiro contra a maré.

E a filha... Bem, Abigail Breslin cativa desde o começo como uma menininha absolutamente comum, fechada em seu mundinho infantil e alheia (ou resistente por opção?) ao restante da família problemática. Sua atuação ganha ainda mais destaque quando percebemos que ela não é nenhuma estreante - já tem quase duas dezenas de aparições em cinema e TV - e ainda assim soube como "ser gente normal" em uma atuação aos 10 anos de idade!This picture is hosted by ImageShack O jeito de criança comum e sonhadora, os diálogos convincentes e tudo em sua aparência física desajeitada e barrigudinha condiz com Olive Hoover, sem afetação ou estrelismo.

Greg Kinnear, um dos maiores coadjuvantes (ou menores estrelas, como preferir) do cinema atual, continua corretíssimo como o pai Richard Hoover, tão obcecado pela clássica diferenciação americana entre "vencedores" e "perdedores" que não percebe o quão próximo ele mesmo está da derrota.This picture is hosted by ImageShack Seu pai, o hippie temporão pervertido e boca-suja Edwyn Hoover, interpretado pelo veterano Alan Arkin, não o deixa esquecer disso. Ao subverter tudo o que diz o filho e agir constantemente como um "alternativo fora de época", o velhão - viciado por escolha e um pouquinho mais que libertário - se assume como o único a abraçar voluntariamente o caos que todos ali representam.

Em meio a essas posturas está o adolescente Dwayne (Paul Dano, talvez em seu primeiro grande papel), que também arrasa pelas paixões que demonstra em sua performance.This picture is hosted by ImageShack Dwayne odeia todo mundo e tem especial desprezo por sua família problemática. Determinado a ser uma pessoa maior que aquilo que o cerca, resolve demonstrar sua rebeldia e sua busca pessoal com o silêncio, e desde pronto recusa qualquer possibilidade de se divertir naquela viagem compulsória. Mas Dwayne vai descobrir que não pode negar quem ele é, onde vive e quais são suas raízes.

O concurso de beleza infantil é indescritível, e qualquer coisa que se diga sobre ele seria um desrespeito ao leitor, por entregar sem necessidade a crítica e a graça histérica reunidos ali. Só assistindo mesmo para se compreender o todo. Para os fãs de 24 Horas, Mary Lynn Rajskub (a Chloe) tem uma ponta importante nessa parte.

Resta ainda a Kombi amarela, a metáfora sempre presente que parece dizer "não funciona, mas funciona assim mesmo". Os Hoover são tudo de errado, mas continuam existindo por aí, como uma família que tenta ser feliz apesar de tudo.


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