segunda-feira, agosto 21, 2006

DVD - versão aleijada

V de Vingança is hosted by ImageShackEstão alardeando pra todo lado o pré-lançamento do DVD de V de Vingança com "aquele" preço tradicional dos lançamentos nacionais. Sugestão inicial: não compre. Agora, desenvolvendo...

Primeiro, ao filme. Por mais que tenha sido massacrado, não com unanimidade, pela verdadeira crítica especializada (raridade em tempos de blogueiros adolescentes sem qualquer preparação), V de Vingança nunca teria merecido o bombardeio se não tivesse sido alardeado como um blockbuster. Digo, obras muito menores em conteúdo são incensadas só porque foram lançadas na surdina e se tornaram cult não por méritos de história ou de realização, mas exatamente pela despretensão. Tivesse sido lançado como um filme mais "comum", V seria recepcionado de outra forma e teria hoje outro status. Em suma, "quanto maior a vitrine..."

O filme merece, sim, ser visto e discutido, se o espectador não tiver acesso à história original de Alan Moore. Esqueça, por exemplo, a extrema irresponsabilidade profissional de uma revista de grande circulação que intitulou sua resenha como "B de Bobagem". Sim, é verdade que V resultou muito mais em espetáculo visual, longe de ser imortal ou perfeito, mas também manteve, timidamente, sua exposição de assuntos de interesse monstruoso e que, definitivamente, não representam "bobagem" alguma. Não é difícil dar um pouco de razão a Moore e aos grupos anarquistas que torceram o nariz; houve mesmo a diluição infeliz e inegável da poderosa história original. Mas as temáticas de totalitarismo, terrorismo, poder das artes, privacidade do cidadão, idéias acima de identidades, tomada de atitude, vontade do povo versus vontade do governo - todas elas permanecem no filme, mesmo que com seu radicalismo enfraquecido por um roteiro moderado. Ainda que não um oceano, pelo menos um copo cheio. Reduzir esses temas ao termo "bobagem" e conduzir o espectador médio desavisado a fugir do filme é diminuir ainda mais a possibilidade de uma discussão além de "pagodinho", "preferência sexual", "cervejada" e "político só serve pra roubar". É francamente irresponsável.

V for Vendetta is hosted by ImageShackVoltemos, então, ao lançamento do disco. Já na saída da sala, pensei em como seria legal dali a uns meses comprar, aqui no Brasil, aquele DVD duplo que estavam anunciando para breve nos EUA, com um trabalho extra de informação a respeito de tudo o que cerca a história.

Eis que sai agora no Brasil só o "disco 1" do pacote original, com filme e making of (já mencionei o preço abusivo por um DVD simples, certo?). Não imagino por que razão não nos deixaram ver o histórico de Guy Fawkes (10min), as cenas de bastidores (17min), a discussão entre quadrinistas de renome sobre a origem e o impacto da história quando de seu lançamento (15min), o clipe-montagem sob a música da Cat Power, os desenhos de produção e ainda o inesperado sketch de Natalie Portman no Saturday Night Live. Certamente, não houve pesquisa e não houve intenção de agradar o (seguramente extenso) público-alvo do filme.

Sin City is hosted by ImageShackAliás, esse mesmo público sabe que não é a primeira vez. Sin City, no Brasil, sofreu censura quantitativa e qualitativamente ainda pior. Compare o paupérrimo "conteúdo" nacional (também só filme e making of) com a versão recheada (no pé da página, como technical notes) editada lá fora há um bom tempo, com duas toneladas de extras pra fazer qualquer fã salivar. Carregando o (discutível) troféu de mais perfeita adaptação de quadrinhos para o cinema, Sin City não merecia esse tratamento no Brasil.

Aí entra o detalhe que mata de raiva todos os consumidores brasileiros que são enganados. No Brasil, a "estratégia" é jogar no mercado o DVD porco com um preço inacreditável, levar os empolgados a comprar com pressa e, dali a um ano, soltar a famigerada "edição especial" (também conhecida como "versão final que ainda não chegou lá" ou "versão definitiva até a próxima") por um preço até mais baixo que o do lançamento atual - que entra na banquinha de promoção a R$ 20,00 ou menos!

Veja que o único lançamento de V em sua terra natal foi feito nos dois fronts ao mesmo tempo, o estendido e o simples. A caixa rechonchuda já vem com o aviso "2-disc special edition" logo de pronto. No caso de Sin City, o pacote chamado "Expanded edition: recut, extended, unrated" foi lançado depois da versão simples, sim.Sin City is hosted by ImageShack Mas, no ato do primeiro lançamento, deram um aviso de que uma versão maior seria editada em pouco tempo, em claro sinal de respeito ao consumidor. Inclusive justificaram esse tempo como necessário para compilar e editar direito os extras. O resultado, que não pegou ninguém de surpresa, demorou apenas quatro meses pra sair. Evitaram que acontecesse exatamente o que acontece como regra por aqui: o fã verdadeiro compra o simples por falta de opção e a tal opção "aparece" dali a pouco, forçando nova compra ou, no mínimo, o descontentamento geral.

Não foi isso também que ocorreu com De Volta Para o Futuro e Um Sonho de Liberdade, entre outros campeões de audiência? Vale lembrar que alguns filmes cultuados dos anos 80, como A Vida de Brian ou Curtindo a Vida Adoidado só foram lançados no Brasil sem dublagem. Hoje, cismam de dublar tudo (e tão poucos precisam...), mas quando os filmes já vêm dublados há anos e anos e o público pré-DVD cresceu acostumado à dublagem, "esquecem" de incluí-la no DVD simples. Estratégia proposital para irritar o consumidor ou pura burrice? Ou será que os direitos da dublagem são assim tão caros que...

Para o eventual comprador, seria muito melhor que começasse a encarar a versão simples como sendo a "especial", aquela feita só pra quem quer o filme e mais nada; afinal, a versão regular do lançamento deve ou não deve ser a mais completa? Passei a usar o raciocínio de que o DVD simples é "versão mutilada" e aquele que sai com extras é o "versão normal".

Nesse aspecto, ninguém perde por esperar. Se os estúdios mantiverem o lançamento vagabundo, sempre há o link aí ao lado para o Mininova e a possibilidade de baixar extras sem prejuízo para ninguém (afinal, pirata de quê, se nunca foi lançado??). Por outro lado, se dali a pouco lançam a versão decente da coisa, você ainda pagará menos do que pagaria hoje pelo mutilado.

Conclusão: não compre, c.q.d.

UPDATE (17 set 2006): a Folha online publicou hoje um texto que fala basicamente a mesma coisa que está acima, mas num tom mais jornalístico e menos acusatório, claro. Penso que o eventual visitante interessado no meu texto poderia gostar de ver algo do gênero publicado num grande jornal, então taí o link.