domingo, agosto 20, 2006

Uma vila, dois ecos

The Village is hosted by ImageShackEcoando um texto que ecoa a realidade atual. Esse real é fantástico ou a fantasia é muito realista?

A crônica abaixo é do Robertson Mayrink. Não faltaram razões pra copiar e colar do blog dele. Pode escolher desde o fato de eu adorar o Shyamalan e seu estilo "paradão com suspense crescente", ou por ter gostado muito de A Vila, pelo fato de o Robertson escrever paca, pelo texto que criou um paralelo brilhante, pela falta de cinema neste blog (acho que expliquei os motivos num post recente) ou simplesmente porque deu vontade de colar (mais) um texto de qualidade.

ATENÇÃO: contém segredos do filme. Não leia se você não assistiu!

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Minha pequena vila
(Robertson Mayrink)

Cerca de uma centena de pessoas vive em uma comunidade no meio da floresta, no final do século XIX. O lugar é cercado por imensas árvores e uma linha que demarca até onde se pode ir.

"Na floresta, vivem demônios e bruxas", contam os pais para os filhos. Em noites assombradas, as bruxas de capuz são vistas perambulando pelas ruas e deixando marcas nas portas das casas. Há um pacto entre os habitantes da floresta - "aqueles de quem não falamos" - e os moradores da vila. Ninguém invade o território do outro. Devido a essa ameaça, visível em vários momentos carregados de suspense, os moradores da comunidade nunca deixam o lugar e nunca recebem visitantes.

The Village is hosted by ImageShackEssa é a história de A Vila (The Village, EUA, 2004), de M. Night Shyamalan. A trama é repleta de metáforas e as marcas do diretor estão todas no filme: angústia, suspense, reviravolta no roteiro e, acima de tudo, o medo.

A reviravolta acontece na segunda metade do filme: não existem bruxas, e a história foi inventada pelos líderes da comunidade para impedir as crianças e os jovens de saírem da vila. Aos poucos, uma jovem cega (Bryce Dallas Howard) vai decifrando os mistérios. Ela precisa sair da vila para buscar remédios e salvar a vida de seu namorado (Joaquin Phoenix) e decide encarar o desconhecido numa travessia pela floresta. Ela é cega, não pode enxergar seus medos, apenas senti-los, como em toda história de bruxas e demônios passadas de pais para filhos ao longo dos tempos.

No final da floresta, ela encontra um grande muro. Depois de passar pelo muro, ela descobre o mundo real: uma cidade grande, repleta de carros, lojas, gente moderna e violência. Os líderes da comunidade, entre eles o pai da jovem cega, assustados diante da crescente onda de violência das cidades – todos tiveram parentes ou amigos assassinados – resolveram "desaparecer" e fundar uma comunidade no meio da floresta, escondidos do mundo, recriando o passado. Para evitar o desejo dos filhos de conhecer esse mundo, inventaram a história das bruxas.

Há um muro na divisa da minha casa. Vivo em uma pequena e carinhosa comunidade formada por um casal, dois filhos, uma cachorra cocker que se deita sempre sonolenta na sala, outra cachorra pastor-alemã que late no quintal para nos lembrar de um ou outro medo, e uns poucos passarinhos.

Todos os dias, um de nós atravessa o muro. Todos os dias, vamos lá fora encarar verdadeiros demônios e bruxas. Pode ser um traficante distribuindo crack na porta de escolas; um menino inocente no sinal com um caco de vidro na mão; um bandido protegido por arma e uniforme de policial; um cidadão comum e pai de família que se transforma em psicopata assassino quando coloca as mãos no volante do carro; sanguessugas travestidos de homens e mulheres decentes que fazem discursos inflamados sobre segurança, educação, fé na justiça e em Deus, enquanto ficam milionários à custa da miséria e fome de milhões de brasileiros; líderes de governo amparados por leis para despejar, de tempos em tempos, mísseis e bombas nos vizinhos; fanáticos religiosos que invocam Deus na hora de explodir seus irmãos em aviões, trens, metrôs e lojas.

Em dias assim, quando penso nisso tudo com um pouco mais de angústia e medo, tenho vontade de ficar na minha pequena vila. Contando histórias para os filhos na doce ilusão de que vou protegê-los do mundo.


Bryce Dallas Howard in The Village is hosted by ImageShack