
Depois de sua jornada pela TV na década de 60, o personagem passou por versões meio toscas em quadrinhos - reflexos quase fiéis da série televisiva original - e até retornou há menos tempo como apresentador do absurdo talk show Space Ghost: Coast to Coast. As gerações mais novas o conhecem dessa empreitada maluca, iniciada nos anos 90.
Em 2004, a gigante DC Comics, atual detentora dos direitos do Space Ghost, resolveu retomá-lo como um "produto sério". Com pompa e investimento pesado, lançou uma minissérie bastante caprichada contando a origem do herói. Essa história acaba de ser publicada no Brasil pela Panini em três edições, e ainda pode ser encontrada completa em bancas e lojas especializadas em quadrinhos. Eu só soube da existência dessa reedição do personagem quando do lançamento nacional, mas a impressão inicial foi bem boa.

O resultado pode ser visto como algo que lembra bastante a Metal Hurlant (ou sua versão americana, a Heavy Metal), não apenas no visual, mas também no que se refere a um universo ficcional ao extremo, forçosamente fora de qualquer aspecto da nossa realidade. Só que o escritor Kelly tomou cuidado para sempre tangenciar a narrativa americana clássica de super-heróis, adicionando ainda, por sua conta, um alto teor pulp - mistério, sombras, muito drama e uma pitadinha maniqueísta (vilões maus paca, heróis idealistas) - e os disparates característicos do gênero space opera, que permite usar com mais liberdade algumas situações imponderáveis na ficção científica séria.
De começo, é meio difícil enxergar o personagem numa história em quadrinhos. À medida que se vai lendo, fica mais aceitável dentro daquela proposta meio louca e francamente divertida. Até o louva-deus gigante Zorak aparece como grande vilão, numa caracterização bem interessante e próxima daquela dos alienígenas de Independence Day. É tudo meio estranho porque a gente naturalmente se pergunta: "O que pretende a DC? Incorporar Space Ghost à companhia de Batman, Super-Homem ou, quem sabe, Adam Strange?"

A proposta de Kelly foi inicialmente vista com muito desdém pela DC, mas as coisas foram mudando gradativamente e, por fim, o escritor conseguiu alcançar exatamente o que queria. "É o Space Ghost tratado de forma respeitosa, e eu fiquei encarregado desse 'Ano Um'", comemora. A série nasceu fechada e sem pretensão de se transformar em contínua, mas uma seqüência já está em andamento. E no futuro? Nem faço idéia...
De qualquer modo, a edição no Brasil vale a compra, já que temos esse arco em apenas três revistas finas, sem tratamento de alto luxo, e a história é bem OK. A arte do argentino Olivetti (veja mais dela aqui) é excelente e muito apropriada à proposta de Kelly, mantendo um tom realista ao mesmo tempo em que exagera um pouco de tudo. Constrói assim uma transição mais segura para a "nova visão", entre o cartunesco de antes e a intenção de seriedade de agora. Além disso, as curiosidades que cercam essa história origem são muitas e bem atraentes tanto para saudosistas como para novatos. De certa forma, dá na mesma; afinal, quanto material a respeito do personagem esses mesmos saudosistas já tinham visto antes?
Ficamos sabendo, por exemplo, que a pessoa por trás do herói se chama Thaddeus Bach e que aquele "fisiculturista sensível" era antes um policial intergaláctico, membro de uma força de paz.

Enquanto um amigo que viu a minissérie na minha casa ficou fascinado com essa redescoberta do personagem para os quadrinhos, e queria até levar as revistas embora com ele, outro ficou indignado por terem "desvirtuado" a imagem daquele herói misterioso com uma história que revela demais, trazendo toda a origem e até a face real do Fantasma do Espaço. É bem provável que exista também o pessoal que venera Space Ghost: Coast to Coast e que vá achar bem difícil engolir uma retomada "séria" do personagem. Portanto, senhoras e senhores, escolham. A história é bacana, mas parece que há bem mais que uma história a se escolher aqui...