sexta-feira, outubro 06, 2006

Space Ghost, a série em HQ

This picture is hosted by ImageShackSe você tem menos de 40, vai se lembrar do Space Ghost. O herói apareceu na TV em 1966, como criação de Alex Toth, uma lenda dos desenhos animados que faleceu em maio de 2006.

Depois de sua jornada pela TV na década de 60, o personagem passou por versões meio toscas em quadrinhos - reflexos quase fiéis da série televisiva original - e até retornou há menos tempo como apresentador do absurdo talk show Space Ghost: Coast to Coast. As gerações mais novas o conhecem dessa empreitada maluca, iniciada nos anos 90.

Em 2004, a gigante DC Comics, atual detentora dos direitos do Space Ghost, resolveu retomá-lo como um "produto sério". Com pompa e investimento pesado, lançou uma minissérie bastante caprichada contando a origem do herói. Essa história acaba de ser publicada no Brasil pela Panini em três edições, e ainda pode ser encontrada completa em bancas e lojas especializadas em quadrinhos. Eu só soube da existência dessa reedição do personagem quando do lançamento nacional, mas a impressão inicial foi bem boa.

This picture is hosted by ImageShackO já lendário Alex Ross foi convocado para desenhar as capas, duas das quais você vê aí ao lado. Ficaram um pouco abaixo de sua qualidade habitual, mais puxadas pro cartunesco, mas Ross dificilmente erra... Na arte interna das revistas, Ariel Olivetti saiu-se com uma bela arte pintada, algo entre Simon Bisley (Lobo) e o próprio Ross. Joe Kelly, que esteve por detrás de uma recente fase chatinha da Liga da Justiça ("Obsidian Age", "Trial By Fire" e outros arcos) e da "recuperação" do Super-Homem ("Elite", entre outros), cuidou de escrever uma história que ele próprio define como "space opera" para o velho Space Ghost.

O resultado pode ser visto como algo que lembra bastante a Metal Hurlant (ou sua versão americana, a Heavy Metal), não apenas no visual, mas também no que se refere a um universo ficcional ao extremo, forçosamente fora de qualquer aspecto da nossa realidade. Só que o escritor Kelly tomou cuidado para sempre tangenciar a narrativa americana clássica de super-heróis, adicionando ainda, por sua conta, um alto teor pulp - mistério, sombras, muito drama e uma pitadinha maniqueísta (vilões maus paca, heróis idealistas) - e os disparates característicos do gênero space opera, que permite usar com mais liberdade algumas situações imponderáveis na ficção científica séria.

De começo, é meio difícil enxergar o personagem numa história em quadrinhos. À medida que se vai lendo, fica mais aceitável dentro daquela proposta meio louca e francamente divertida. Até o louva-deus gigante Zorak aparece como grande vilão, numa caracterização bem interessante e próxima daquela dos alienígenas de Independence Day. É tudo meio estranho porque a gente naturalmente se pergunta: "O que pretende a DC? Incorporar Space Ghost à companhia de Batman, Super-Homem ou, quem sabe, Adam Strange?"

This picture is hosted by ImageShackKelly afirmou logo de começo que a intenção, ainda bem vaga, era mesmo a de resgatar o personagem com uma abordagem mais realista (palavras dele...) e apropriada ao seu contexto original. Nas entrelinhas: ele queria afastar da cabeça dos fãs aquele humor de C2C, no qual as poses dos desenhos antigos de Space Ghost e de personagens secundários obscuros eram aproveitadas para que o herói entrevistasse celebridades verdadeiras num telão, tudo com muito mais nonsense do que se pode imaginar. Particularmente, nunca gostei de C2C, mas adoro Harvey Birdman e Brak Show (dois desenhos atuais com desenvolvimento parecido).

A proposta de Kelly foi inicialmente vista com muito desdém pela DC, mas as coisas foram mudando gradativamente e, por fim, o escritor conseguiu alcançar exatamente o que queria. "É o Space Ghost tratado de forma respeitosa, e eu fiquei encarregado desse 'Ano Um'", comemora. A série nasceu fechada e sem pretensão de se transformar em contínua, mas uma seqüência já está em andamento. E no futuro? Nem faço idéia...

De qualquer modo, a edição no Brasil vale a compra, já que temos esse arco em apenas três revistas finas, sem tratamento de alto luxo, e a história é bem OK. A arte do argentino Olivetti (veja mais dela aqui) é excelente e muito apropriada à proposta de Kelly, mantendo um tom realista ao mesmo tempo em que exagera um pouco de tudo. Constrói assim uma transição mais segura para a "nova visão", entre o cartunesco de antes e a intenção de seriedade de agora. Além disso, as curiosidades que cercam essa história origem são muitas e bem atraentes tanto para saudosistas como para novatos. De certa forma, dá na mesma; afinal, quanto material a respeito do personagem esses mesmos saudosistas já tinham visto antes?

Ficamos sabendo, por exemplo, que a pessoa por trás do herói se chama Thaddeus Bach e que aquele "fisiculturista sensível" era antes um policial intergaláctico, membro de uma força de paz.This picture is hosted by ImageShack Mas Bach desconhecia as tramóias de seu líder corrupto e acabou sendo traído e tendo sua vida arruinada. Até então, vemos indícios do treinamento e do idealismo do homem que se tornaria o herói, mas só depois ficamos sabendo do desejo de vingança que o move e dos famosos poderes que vêm de seus braceletes. Isso fica para o restante da história, quando tudo mais é esclarecido - meio a toque de caixa (space operas são mesmo inconseqüentes), mas a contento, pra alegria da marmanjada. Os gêmeos Jan e Jayce (nada de Blip!) também fazem sua estréia, mas ainda não como os sidekicks que nos acostumamos a ver no desenho.

Enquanto um amigo que viu a minissérie na minha casa ficou fascinado com essa redescoberta do personagem para os quadrinhos, e queria até levar as revistas embora com ele, outro ficou indignado por terem "desvirtuado" a imagem daquele herói misterioso com uma história que revela demais, trazendo toda a origem e até a face real do Fantasma do Espaço. É bem provável que exista também o pessoal que venera Space Ghost: Coast to Coast e que vá achar bem difícil engolir uma retomada "séria" do personagem. Portanto, senhoras e senhores, escolham. A história é bacana, mas parece que há bem mais que uma história a se escolher aqui...